quinta-feira, 12 de julho de 2012

Maior parte da reestruturação da Gol já foi feita, diz novo presidente

Em sua primeira entrevista no novo cargo, Paulo Kakinoff diz que o pior das ações de ajuste já passou e nega venda da empresa


Cleide Silva e Marina Gazzoni, de O Estado de S.Paulo
Cleide Silva e Marina Gazzoni, de O Estado de S.Paulo
SÃO PAULO - Às 8h30 - 02/07/2012, o executivo Paulo Kakinoff toma posse no cargo de presidente da Gol Linhas Aéreas. Vai ocupar uma mesa pequena, com computador e telefone, numa sala simples, com fotos e miniaturas de aviões, no prédio administrativo da empresa, ao lado do aeroporto de Congonhas. O escritório será dividido com Constantino de Oliveira Júnior, controlador da companhia. O convite para Kakinoff presidir a Gol, aos 37 anos, surpreendeu o mercado, pois todos os 19 anos de sua vida profissional foram dedicados à indústria automobilística. A presidência da marca de carros de luxo Audi, que ele ocupava desde 2009, era vista como trampolim para voos mais altos no setor. Mas o novo desafio, e provavelmente a proposta financeira, levaram o executivo nascido em Santo André (SP) a uma guinada.
Paulo Kakinoff
Kakinoff chega num momento em que a Gol finaliza processo de reestruturação que inclui redução de voos, de frota e de 2,5 mil funcionários. Ou seja, o processo mais duro para a recuperação da empresa já foi feito. Caberá a ele apressar os resultados dessa companhia mais enxuta para que volte ao lucro.
O executivo substitui Constantino, que presidiu a Gol desde sua fundação, em 2001. A mudança despertou rumores sobre a venda da companhia, rechaçados tanto pelo novo quanto pelo antigo presidente. "Não fui convidado com essa finalidade. Acho que não seria a melhor pessoa para fazer isso", diz Kakinoff, na primeira entrevista concedida como executivo da Gol. "Não existe esse pensamento de venda", reforça Constantino, que também participa da entrevista.
Como foi o convite?
Kakinoff: Foi há uns 70 dias. O Álvaro de Souza, presidente do conselho de administração da Gol na época, me chamou para conversar. Ele disse que, em um bate-papo com o Júnior, surgiu a possibilidade de me convidar para ser executivo da Gol. Isso nunca tinha passado pela minha cabeça. Eu venho de uma carreira de 19 anos na indústria automobilística e o meu desenvolvimento natural era nesse setor. Houve uma possibilidade de mudança que me pareceu atraente. No dia seguinte, me reuni com o Júnior e seus irmãos Joaquim e Henrique e passamos a desenhar um modelo de gestão, que terá o Júnior como presidente do conselho e com uma grande proximidade da operação.
No mercado automobilístico, falava-se que o sr. estava sendo preparado para altos cargos, como a direção de uma grande montadora.
Kakinoff: A mudança não era esperada. Mas ao mesmo tempo que poderia ser motivo de hesitação acabou sendo motivo de excitação. Sou conselheiro da Gol há três anos e comecei a ter fascínio pelo setor aéreo. Os movimentos da aviação civil no Brasil e a trajetória da Gol especificamente me despertaram o desejo de fazer parte dessa história. Era algo que estava latente, mas não estava no meu radar de opções justamente por essas alternativas de alçar posições mais altas no setor automotivo. Mas uma conjunção de fatores fez o pacote ser muito atraente. A Gol é um caso sui generis, que tem o controlador, o fundador e o presidente executivo na mesma pessoa. Tenho a possibilidade de trazer a minha experiência em gestão e trabalhar a uma distância de um metro do Júnior, que conhece tudo sobre a empresa e tem o mesmo objetivo que eu, de fazer a Gol prosperar.
No mercado comenta-se que o sr. foi chamado para preparar a Gol para ser vendida. É verdade?
Kakinoff: Eu acho melhor perguntar para o dono (risos). Esse tema não foi condição de negociação, em absoluto. Mas, curiosamente, quando recebi o convite perguntei o que a família, os controladores, esperavam do negócio. E a resposta foi simples: acelerar ainda mais a história de um negócio de sucesso que pertence à família. Não há nenhuma intenção de venda nesse momento. É pura especulação.
Constantino: Para ser objetivo, não existe esse pensamento de venda e muito menos essa atribuição ao Kakinoff de cuidar de uma transição ou alguma coisa do tipo.
Se tivesse a missão de vender a Gol, o sr. teria aceitado o cargo?
Kakinoff: Se tivesse, acho que eu não seria a melhor pessoa para fazer isso. Que expertise eu traria para esse tipo de objetivo?
O cenário global do setor é de consolidação. Se não trabalham com a possibilidade de venda, como vão se posicionar?
Constantino: A Gol tem se posicionado. Temos um modelo de negócio com foco no mercado doméstico. Seja qual for a possibilidade que a gente venha a discutir, há duas questões a serem preservadas. Uma delas é a da característica do controlador. A Gol adquiriu a Varig e a Webjet. Cresceu nesses 12 anos do zero para uma frota razoável. Realizamos investimentos em ciclos de crise mais aguda como em 2008 e 2009 para que a empresa continuasse executando seu plano e se solidificando no mercado. Essa mentalidade não vai mudar. Em qualquer possibilidade que venha a ser vislumbrada no futuro entendemos que deve ser preservado o modelo de negócio da Gol. Uma empresa que tem posição relevante no principal mercado gerador de fluxo de passageiros da América Latina também tem de ter postura relevante em qualquer processo.
O sr. está saindo de um segmento de luxo para trabalhar em uma empresa que tem como filosofia o baixo custo. Como é isso?
Kakinoff: Parece ser um universo totalmente novo, mas há pontos em comum. Fala-se muito da nova classe média, mas 60% dos passageiros que viajam de avião no Brasil são das classes A e B. Se você voltar três anos atrás, quando eu era executivo da Volkswagen, a sobreposição dos negócios com a Gol é muito maior. Se compararmos o perfil dos consumidores de carros da Volkswagen com o do viajante de aviação civil no Brasil, a sobreposição chega a 75% ou 80%. Então não é um cliente desconhecido, pelo contrário. E tanto Audi, Volkswagen e Gol têm um ponto em comum. A visão de que a satisfação do cliente está diretamente ligada à eficiência.
Como o sr. pretende reverter os resultados negativos da Gol?
Kakinoff: Felizmente para mim, como gestor, a maior parte das ações necessárias nessa redução de quadro já foram tomadas. O meu trabalho já vai estar muito facilitado porque as medidas de reestruturação já começarão a surtir efeito nos próximos quadrimestres. Vou focar muito mais em reforçar o time de gestão. O setor aéreo é uma das indústrias mais sensíveis a fatores exógenos (como câmbio, clima, preço de combustível) e isso torna o trabalho de gestão ainda mais difícil.
A Gol anunciou 2,5 mil cortes neste ano e já cortou cerca de 2 mil vagas. Ainda falta demitir mais...
Constantino: A expectativa de redução do quadro é de 2,5 mil posições. Mas as demissões já estão terminadas. Fizemos os últimos desligamentos anteontem (dia 27). As próximas reduções vêm de um turn over natural da empresa. Então, em seis meses devemos eliminar de 400 a 500 vagas.
Quando a companhia volta ao lucro?
Kakinoff: No ano é difícil dizer, porque tivemos dois quadrimestres adversos. Nós esperamos reverter os resultados negativos no último quadrimestre. Ou seja, chegar ao fim do ano pelo menos com uma posição de equilíbrio.
Uma fonte do mercado diz que a Gol tem apenas R$ 250 milhões em caixa, o que é considerado muito baixo.
Constantino: Eu estaria muito preocupado se fosse isso (risos). Temos 27% das nossas receitas nos últimos 12 meses em caixa. Fechamos o primeiro trimestre com R$ 2,2 bilhões o que, em porcentuais, é maior que a média que tivemos no ano passado e nos coloca talvez entre as empresas do setor com maior liquidez no mundo.
Qual é sua tarefa mais urgente?
Kakinoff: Trabalhar nos processos de gestão para que a empresa se torne cada vez mais ágil na tomada de decisões e mais rapidamente responda às variações de mercado. Precisamos estar prontos para agir rapidamente em cenários que exijam, por exemplo, a readequação de malhas ou num cenário de crescimento em que precisamos ampliar a malha mantendo a mesma qualidade de serviços. Pode parecer simples, mas imagine que neste momento estamos discutindo a frota para 2018. A probabilidade de acertamos com precisão é muito menor do que a certeza de que os parâmetros que consideramos agora podem ser bem diferentes daqui a seis anos. Num mercado crescente, quem garante que o número de frota que pensamos será suficiente?
É possível essa agilidade? Se o mercado cresce, é fácil comprar aeronaves ou contratar mais pilotos?
Constantino: Crescer é fácil. Você pode esperar primeiro atingir níveis de ocupação e de receita satisfatórios, mas isso não acontece da noite para o dia. Temos condição de aumentar a utilização da frota, voar um pouco mais, o que pode ter impacto imediato. Também temos a opção de fazer leasing operacional, alugar aeronaves. Pode não ser tão eficiente e tão barato quanto seria se tivesse adquirido o avião cinco ou seis anos antes. O que é difícil é quando tem de dar um passo atrás. Dificilmente se consegue retornar um avião para a empresa de leasing antes do prazo contratado sem uma penalização. Também é muito doloroso reduzir o quadro de colaboradores, pessoas em quem você investiu na formação e que já tinham relação de confiança com a empresa. São bem distintas as duas situações.
Kakinoff: Crescimento não é problema na nossa perspectiva de Gol, mas quando a gente fala de infraestrutura pode ser um restritivo.
Quando a Gol vai voltar a crescer?
Kakinoff: A adequação de malha, frota e da tripulação foi feita levando em consideração nossas estimativas para o mercado no curto e médio prazo. Não esperamos um desaquecimento maior ainda na demanda, mas não dá para afirmar em que momento teremos reativação da economia nos níveis que tínhamos 18 meses atrás. Nossa perspectiva de curto e médio prazo é ter uma frota próxima a que teremos após a readequação (serão 138 aeronaves de Gol e Webjet no fim do ano, 12 a menos que em 2011).
Como será seu primeiro dia de trabalho?
Kakinoff: A agenda das duas primeiras semanas já está fechada. Será totalmente dedicada em promover minha apresentação aos colaboradores da companhia, principais investidores e clientes. Também terei reuniões com gestores e órgãos reguladores do setor.
Como será a apresentação aos clientes?
Kakinoff: Vou viajar nas aeronaves, conversar com as pessoas. Meu desejo é interagir mesmo, no check-in, no avião. Não só nessa fase inicial, mas regularmente, com frequência bastante alta, vou me colocar na posição do cliente desde o momento em que ele faz a reserva no nosso site até quando recolhe a bagagem na esteira. O Júnior já fez muito disso e boa parte das medidas tomadas na gestão da Gol veio basicamente de se colocar como passageiro.
O sr. terá autonomia?
Kakinoff: A autonomia nas tomadas de decisão relacionadas à empresa como um todo foi garantida pelo Júnior e pelos outros controladores desde o começo. Ao mesmo tempo foi uma das minhas condições para a vinda que o Júnior permanecesse próximo à gestão. Seria um grande equívoco não se utilizar do conhecimento e da experiência de sucesso que ele tem à frente da empresa. Para mim, será um privilégio não usual assumir a operação executiva de uma empresa tendo o mentor da operação trabalhando literalmente lado a lado.


Fonte: Estadão

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